Continuando a saga dos trabalhos agrícolas, e depois de todas as tarefas, que tinham como objectivo máximo, criar todas as condições, do ventre da terra, para a sementeira.
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Terreno lavrado - foto tirada no inicio de Maio - as cerejas ainda estavam por amadurar ... mas agora .... |
Semear – colocar as sementes na terra.
Esta tarefa para mim, um citadino não agricultor, tem um significado que vai além da simples tarefa de lançar a semente à terra – faz-me lembrar o momento depois da "concepção" (que se fez ao nível da flor, na agricultura, e no encontro do espermatozóide com o óvulo) e que deu origem a um embrião (a semente – na agricultura).
A partir deste momento esta, tem dentro de si, já todos os elementos para dar origem a um novo ser vivo (radícula, caulículo, folículos e até substâncias de reserva) – mas precisa de um ventre (solo) e condições para se desenvolver (os nutrientes – no estrume ou adubo, nos sais minerais da terra, … que serão absorvidas com a ajuda da água).
Até aqui se encontra analogia com o que se passa dentro do ventre materno em que o embrião humano está protegido pelo líquido amniótico e recebe todos os nutrientes para o seu desenvolvimento através do cordão umbilical que o liga à progenitora.
A mãe passa a ter alguns cuidados para que o seu futuro bebé disfrute das melhores condições para o seu desenvolvimento. Ainda não o vê mas, mas já cuida dele.
Também o agricultor dá algum conforto à sua semente, cobrindo-a com a terra fofa, sem antes lhe preparar os nutrientes essenciais: estrume, adubo, material orgânico.
Também antes os pais sonharam, idealizaram e prepararam condições económicas, de organização para a recepção do novo ser.
Afinal foi o que cada agricultor (lavrador) fez, ao preparar o terreno, lavrando-o, frezando-o, tirando pedras e ervas daninhas, que pudessem ser obstáculo para que a semente, agora lançada, vingasse e desse um novo ser perfeito e viçoso.
"O QUE VOCÊ SEMEAR, VOCÊ COLHERÁ” – ditado popular
Ainda antes foi preciso escolher cuidadosamente a semente que mostrasse melhores condições (grande parte delas já apartadas desde a última colheita).
Chegou o momento de tanta espera, destes novos seres vivos que serão as novas plantas: o milho, o centeio, o trigo, as favas, o tomate, pepino, feijão, …. – lança-se a semente à terra.
Tal como o embrião humano também as sementes nem sempre dependem das condições e cuidados que lhes depositamos. Podem ser doenças que não se podem prever e na agricultura além disso ainda dependem de factores climatéricos que não se podem controlar.
Basta uma chuva, granizo, geada, frio ou calor em demasia e fora de tempo, para que todo o trabalho anteriormente feito, vá “por água abaixo” e desfaça sonhos, previsões sentindo o vazio de todo esse trabalho, sentindo que foi em vão, e quase sempre sem qualquer retribuição económica que seria, a base de sobrevivência para uma boa parte do ano.
É o "aborto" expontâneo" que leva à desilusão, deixa cair todas as expectativas e leva por vezes à revolta interior.
É esta talvez uma das razões para se verem pela Aldeia cada vez mais terreno de poulo”.
Tanto “ventre” que depois de décadas e décadas de terem “partos” consecutivos e produtivos, que davam sustento a todas as famílias (e numerosas), são agora “úteros vazios”, dando lugar a locais carregados de “fungos”, “bactérias”, enfim ervas daninhas que em nada enobrecem esses ventres fecundos e sadios.
Mas mesmo contra todas essas adversidades as gentes residentes/resistentes, não baixam os braços e lutam e persistem (e ainda bem) em semear as suas terras e hortas, esperando o nascimento dos novos seres vivos que serão, quais filhos, que os apoiarão ao longo do(s) o(s) ano(s).
Continuam a cuidar das suas sementes, que no seio da terra se vão desenvolvendo, sachando a terra, eliminando as ervas daninhas que lhes roubam o sustento “às suas filhas”, e arejam o terreno e em tempo de canícula vão logo, antes do nascer do sol, regá-las, para que nada lhes falte.
Começam a emergir, da terra tenras plantas, indefesas e necessitadas de cuidados redobrados – é a fase do nascimento.
Mas tal como nos humanos, é altura de alegria, mas não o fim. Ainda falta muito para deixarem de ser cuidadas, pois até ao amadurecimento (até adultos) precisam dos seus progenitores.
Todos os cuidados são fundamentais e não há tempo para desleixos.
Tanto no desenvolvimento de um bebé como de uma planta, cada fase precisa de tarefas distintas e nem sempre fáceis, a maior parte das vezes são árduas e às vezes penosas.
Tal como se deseja a um bebé que ele seja perfeito e saudável, também depois da sementeira é preciso desejar um bom desenvolvimento das plantas para que a colheita seja proveitosa e proporcional ao esforço dispendido.
Por tudo isso, o meu desejo é que todas as colheitas realizadas sejam proporcionais ao esforço que, embora eu não o fizesse, observei e constatei a forma como cada agricultor dispendeu com muito esforço (as mão calejadas, as costas doridas, as dores nas pernas e braços, canseiras em arranjar quem ajude, que o tractor funcione, que …. até porque a população vai envelhecendo e as forças já não são as mesmas dos 20 anos.
Claro que há, felizmente, jovens (poucos) que ainda trabalham a terra, ajudando os pais e espantem-se: jovens casais, com a colaboração dos filhos, que sendo oriundos de Águas Frias compraram casa e terrenos e que vem das terras onde vivem (a centenas de quilómetros) e passam o seu fim-de-semana a trabalhar na Terra que é a sua.
São poucos mas são de louvar, pois prescindem muitas vezes do seu tempo de lazer e férias para tratar as terras, hortas e vinhas que certamente, sem a sua intervenção iriam juntar-se às muitas que, ao abandono se encheram de silvas, gestas e todo o tipo de ervas que invadem os terrenos incultos.
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A Tia Lila ensinando como se cava o rego para se colocarem as sementes ... |
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Os ensinamentos foram eficazes e ... mãos na enxada e o rego lá vai seguindo o seu caminho. Citadinos com amor pela terra. |
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Com a supervisão da Tia Lila, todos trabalham; uns cavam , outros semeiam, uns com mais geito, outros sem geito nenhum,.... |
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Todos dão seu contributo (segundo o seu geito) sob o olhar atento do cão. |
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Aqui se pode ver as diferenças de postura de quem já semeia há décadas e quem nunca o tinha feito. A tia Lila de costas direitas , descontraída, lançando de forma ritmada as sementes à terra, outro, de costas curvadas com medo que as sementes não caiam no sítio certo. |
O amor à sua Terra e à terra, ainda existe ...
Antes de terminar este tema e, se repararam não mencionei o “semear” da batata, pois penso que é pouco "correcto", pelo menos cientificamente, falar de semear quando afinal a batata é um tubérculo e não uma semente e por isso seria mais correcto, pelo menos no seu conceito, em falarmos em plantar batatas (mesmo quando dizemos “batata de semente”).
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Queria deixar ainda um poema de Luiz Wilson, dedicando-o a todos os agricultores, em especial áqueles que mesmo com o avançar da idade, ainda cultivam a terra com a mesma paixão dos seus vinte ou trinta anos:
“Canto meu verso para o velho agricultor
Reconhecendo seu valor por sua forma de plantar
Ele agora já tem seu rosto enrugado
Seu andar modificado mas não pára de lutar
A sua enxada é sua arma mais potente
Agricultor, homem valente, homem da mão calejada
O cansaço é invisível no seu rosto
Ele tá sempre disposto e não teme qualquer jornada
Sua experiência vale um bom troféu
Para o velho agricultor eu tiro o meu chapéu
É muito cedo na hora que o galo canta
Quando ele se levanta e bota lenha no fogão
Toma um café muitas vezes apressado
Pensando lá no roçado como se fosse o patrão
Não há relógio que controle o seu horário
O Sol é seu calendário, seja em que tempo for
Cada estação ele sonha com a colheita
Sua fé sempre respeita e trata a terra com amor
Sua experiência vale um bom troféu
Para o velho agricultor eu tiro o meu chapéu”
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E lembremos sempre do velhos ditados populares sobre a sementeira:
"Quem semeia ventos, colhe tempestades” “Quando a Lua minguar, nada hás-de semear “ "Falar é semear; ouvir é colher” |
“
E já agora que Maio está a terminar, alguns provérbios sobre este mês:
"O Maio me molha, o Maio me enxuga Maio ventoso faz o ano formoso Maio couveiro não é vinhateiro. Maio frio e Junho quente: bom pão, vinho valente. Maio hortelão, muita palha e pouco grão. Maio pardo e ventoso faz o ano formoso.
As favas, Maio as dá, Maio as leva. Quando Maio chegar, quem não arou tem de arar. Uma água de Maio e três de Abril valem por mil. |
Até lá ... Boas Colheitas.
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